Nº 018 - Dispõe sobre edição de Manifesto e Moção.

 

SERVIÇO PÚBLICO FEDERAL

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO

FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE

SECRETARIA GERAL DOS CONSELHOS SUPERIORES

 

RESOLUÇÃO Nº .018/2001

CONSELHO UNIVERSITÁRIO

EM 13 DE AGOSTO DE 2001

 

Dispõe sobre edição de Manifesto e Moção.

 

O Reitor da Fundação Universidade Federal do Rio Grande, na qualidade de Presidente do CONSELHO UNIVERSITÁRIO, tendo em vista a decisão deste Conselho tomada em reunião do dia 13 de Agosto de 2001, nesta data,

 

R E S O L V E :

 

Art. 1º Aprovar o documento "Manifesto no Ensejo de uma Grave Crise", conforme anexo.

Art. 2º Aprovar a Moção, conforme anexo.

Art. 3º Encaminhar os documentos aqui aprovados, ao Ministério da Educação e ao Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, assim como às diversas instâncias da sociedade, da imprensa nacional e demais setores ligados à Educação.

Art. 4º Determinar ao Gabinete do Conselho Universitário, que desenvolva as atividades decorrentes do disposto no artigo 2º.

Art. 5º - A presente RESOLUÇÃO entra em vigor a partir desta data, revogadas as disposições em contrário.

 

SECRETARIA GERAL DOS CONSELHOS SUPERIORES

EM 13 DE AGOSTO DE 2001.

 

CARLOS RODOLFO BRANDÃO HARTMANN

PRESIDENTE DO CONSUN

(a via original, encontra-se assinada)

 

MANIFESTO

"NO ENSEJO DE UMA GRAVE CRISE"

O Conselho Universitário, nas instâncias apropriadas, recebeu solicitação do segmento técnico-administrativo e marítimo, através de sua entidade representativa, APTAFURG, de que se pronuncie sobre o movimento grevista ora em curso, bem como sobre as últimas medidas adotadas pelo MEC, via MP 2150-39, sobre extinção da parcela referente à extensão administrativa da URP/89. Igualmente, através da sua entidade, AProFURG, o segmento docente solicita pronunciamento sobre o mesmo tema, e sobre a proposta de "emprego público", cujo anteprojeto se elabora no MEC.

 

Ao longo do tempo

 

Esta situação não é nova. Já em 1993, o Conselho Universitário da FURG, em sua Resolução 07/93, dizia:

Artigo 1o. Reconhecer o movimento de greve na Universidade do Rio Grande.

Artigo 2o. Apoiar as reivindicações do movimento referido no artigo anterior.

Em 1995, a Resolução 033 aprovava Moção que examinava a gravidade da situação por que passava a Universidade do Rio Grande, devido a ações do Governo Federal reduzindo em 20% a conta de Outros Custeios da instituição, proibindo o preenchimento de cargos vagos de 65 docentes e de 37 técnicos administrativos, além da edição de medidas provisórias que revogavam ou alteravam artigos do RJU, afetando direitos do funcionalismo público, decidindo:

  • colocar-se em estado de alerta em defesa da Universidade Pública Brasileira;
  • repudiar as medidas que ameaçam a sobrevivência da Universidade Pública e gratuita no País;
  • externar , publicamente, sua inconformidade em relação às ações que agridem a Autonomia Universitária;
  • alertar à comunidade para os danos que estas práticas estão causando à Universidade, podendo inviabilizar a curto prazo inúmeras atividades de ensino pesquisa e extensão, como o funcionamento do Hospital Universitário, do Restaurante Universitário e dos cursos de graduação e pós-graduação;
  • conclamar a comunidade para a tomada de ações em defesa da Universidade Pública e gratuita.

Em 1996, a Resolução 008, considerando o atraso no repasse de verba suplementar do exercício de 1995 e o retardo no desembolso relativo a 1996; a violenta redução do orçamento das IFES, contemplando autorizações de despesa apenas para primeiro quadrimestre; a rejeição pelo Congresso Nacional de emenda apresentada pelos dirigentes das IFES visando correção orçamentária em custeio e capital; e considerando que tais medidas impediam o incremento e a manutenção de acervo bibliográfico, conclusão de obras e aquisição de equipamentos, ameaçando paralisar atividades de ensino, pesquisa e extensão na Universidade Pública, o que provocaria um prejuízo a toda a Nação Brasileira, "quem sabe por quantos anos", resolvia:

Artigo 1º - Declarar seu apoio à luta, inclusive a greve, dos segmentos universitários em justa mobilização pela Educação Superior.

Artigo 2º - Manifestar sua irrestrita e intransigente atitude na defesa da Universidade Pública e Gratuita.

Artigo 3º - Rejeitar qualquer ingerência na autonomia Universitária consagrada pela Constituição, não aceitando nenhuma atitude repressiva ou punitiva aos integrantes da Comunidade Universitária.

Artigo 4º - Alertar ao poder público pela responsabilidade que lhe cabe no desencadeamento desta situação anômala que paralisa as atividades de difusão e geração de conhecimentos, razão de ser da Universidade.

Artigo 5º - Continuar alerta e lutando pela consecução da finalidade social da Fundação Universidade do Rio Grande.

Artigo 6º - Solicitar ao Ministério da Educação, imediata abertura de negociações para restauração das atividades da Universidade.

Em 1998, mais uma vez, o Conselho Universitário se manifesta, em sua Resolução 006:

Artigo 1º - Reconhecer e apoiar o movimento nacional de greve das Instituições Federais de Ensino Superior, por considerar justas as suas reivindicações.

Artigo 2º - Reconhecer o movimento de greve dos docentes, técnicos administrativos e marítimos e discentes da Fundação Universidade do Rio Grande.

Artigo 3º - Manifestar, uma vez mais, sua irrestrita e intransigente atitude na defesa da Universidade Pública e Gratuita.

Artigo 4º - Encaminhar ao Ministério de Educação e do Desporto, solicitação de abertura de negociação com o movimento grevista das IFES.

Como se pode bem ver da resenha acima, a Universidade vem sendo verdadeiramente garroteada em suas ações, pelo menos nos últimos dez anos. A comunidade universitária, em seus segmentos, não deixou de perceber isto, e posicionou-se sistematicamente em defesa da Universidade, seja através de declarações individuais de seus integrantes na qualidade de docentes, discentes ou técnicos, visando o esclarecimento da sociedade, seja através de entidades de representação sindical ou estudantil, na forma de manifestos ou de ações em grupo visando maior impacto, seja através do posicionamento de seus órgãos dirigentes.

Este Conselho, particularmente, como representação legitimamente constituída desta comunidade, apoiou oficialmente os movimentos grevistas considerando justas suas reivindicações, declarou-se intransigente defensor da Universidade Pública e Gratuita na luta pela consecução de sua finalidade social, repudiou ingerências sobre a Autonomia Universitária garantida pela Constituição, alertou o poder público pela responsabilidade que lhe cabe na situação anômala a que chegou a Universidade, alertou e conclamou a comunidade à defesa da mesma.

Presentemente, as demandas ao Conselho Universitário se colocam tendo-se já instalado um movimento grevista do segmento técnico-administrativo e marítimo, ainda que por tempo determinado, havendo expectativa de alguma forma de manifestação dos docentes nesse sentido, em breve.

Este Conselho julga de valor aproveitar a oportunidade para fazer e comunicar algumas reflexões sobre toda essa gama de circunstâncias que aflige a Comunidade Universitária em seu todo e a própria sobrevivência da Universidade Pública.

Em diversos aspectos, a Universidade Pública é frustrada em seu potencial, afrontada em sua personalidade, restringida em suas ações, humilhada em suas intenções.

 

O que se pode fazer, o que se faz e o que dizem que fazemos

 

A Universidade Pública é humilhada quando, pretendendo sempre manter um alto nível de qualidade nos serviços que presta à Nação, desde a formação de suas novas gerações, até à pesquisa e à extensão ligadas aos problemas do País, vem a ser desqualificada em resultados que obtém, tachados de inócuos ou pelo menos insuficientes, sem se dar o devido peso à redução sistemática de condições a que vem sendo submetida.

Pode-se bem contextualizar tal descompasso num panorama pautado pelos processos de avaliação institucional, entre eles o Exame Nacional de Cursos, a Avaliação das Condições de Oferta e as verificações para efeito de reconhecimento de cursos.

As avaliações efetuadas, evidentemente, revelam, de uma ou outra forma, o nível de qualidade dos cursos. Muitos deles têm sido indicados como apresentando excelentes condições de ensino e pesquisa, e com resultados sociais importantes. Inevitavelmente, outros têm assinaladas precariedades múltiplas, em dimensões que vão da infra-estrutura física à qualificação docente.

Especialmente no caso das instituições de ensino federais, a má situação tende a ser a regra. A insuficiência de infra-estrutura para o ensino se traduz em falta de salas de aula, ou em salas sem nenhum aparelhamento didático, quando não salas em ruínas com móveis deteriorados; laboratórios também mal alojados, com equipamentos em número insuficiente ou ultrapassados; inexistência de salas de trabalho para professores, ou mal equipadas (mesmo professores pesquisadores não dispõem, muitas vezes de espaço apropriado).

Sem infra-estrutura para o ensino propriamente dito, fica prejudicado o desempenho docente, a inovação pedagógica, e, obviamente, o rendimento discente.

A falta de qualificação docente acarreta baixo nível de produção científica, menor competitividade da instituição na busca de recursos, pouco engajamento docente ou discente em pesquisa e desenvolvimento, sem falar no menor envolvimento da própria Universidade com a solução de problemas sociais e tecnológicos do país, e uma visão pequena das questões institucionais e nacionais.

É de consenso que a pesquisa qualifica o ensino, não só por oportunizar o trabalho de desenvolvimento tecnológico de ponta, mas, principalmente, por estabelecer um ambiente intelectualmente estimulante, promovendo o treinamento para a pesquisa propriamente produtiva, pela prática da mesma como atividade didática corrente. Mas a presença de professores qualificados para a pesquisa se anula pela falta de infra-estrutura.

A falta de infra-estrutura para a pesquisa já se exemplificou acima, pela carência de laboratórios e equipamentos, mas também inclui escassez de insumos, de bibliografia, de condições de viagens e publicação de resultados, de recursos diversos de modo à Universidade oferecer contrapartida em convênios para o desenvolvimento de pesquisa aplicada, etc. A cada carência, evidentemente, corresponde um prejuízo nos resultados: poucos projetos e pouca produção científica. Soma-se a estes prejuízos imediatos, a desmotivação dos docentes que, depois de enfrentarem as dificuldades de um processo de qualificação, seja no país, seja no exterior, mas em ambientes de melhores (às vezes incomparáveis) condições de estudo e pesquisa, deparam-se com o pauperismo local.

A extensão, como face do trabalho universitário, deveria se integrar a todas as iniciativas e realizações da Universidade. De modo geral, conota uma indevida atuação assistencialista. Mas como desenvolver uma extensão em direção à evolução social, ao crescimento da qualidade de vida, à prospecção do futuro sem recursos materiais de monta, aplicados especialmente na pesquisa e no ensino integrados às necessidades de desenvolvimento das comunidades? Enfim, a extensão não é dissociada da pesquisa e do ensino. É um grande sinalizador do sucesso das demais dimensões.

Outro aspecto não menos importante é o trabalho do pessoal técnico de apoio: funcionários administrativos, laboratoristas, motoristas, manutenção, etc. Estes também devem ser qualificados e ter condições de trabalho, desde espaço digno até ferramental adequado, além de uma carga razoável de incumbências.

A falta de pessoal técnico qualificado acarreta, entre outros, má utilização de recursos e tempo, ociosidade da infra-estrutura existente e queda na qualidade do atendimento à comunidade e à atividade fim (quando não a inviabiliza). Isto tudo é reconhecido pelo processo de avaliação, que sempre penaliza a instituição carente de pessoal técnico de apoio.

Hoje, chegamos ao número alarmante de um déficit aproximado de 20.000 vagas (sic). As Universidades Públicas só continuam funcionando porque utilizam-se da mão de obra de estudantes que, voluntariamente, ou em troca de bolsas insignificantes, suprem a falta de funcionários em praticamente todo tipo de função.

Um problema persistente na universidade é a evasão. Inúmeras causas podem ser apontadas, desde a ineficácia didática até a falta de assistência estudantil. É cabal que muitos alunos, apesar do mérito que lhes permitiu acesso à rara vaga, não sobrevivem às solicitações econômicas, psicológicas e sociais com que se defrontam ao longo de todo o período na Universidade, seja em nível de graduação, seja de pós-graduação. A Universidade deve buscar meios de suportar adequadamente seu corpo discente.

O dado objetivo aqui é de que o Ministério da Educação quase proíbe as universidades federais de fazê-lo. O caso mais flagrante é a explícita negação de recursos para construção de moradias estudantis.

Nesse cenário de indigência material, as instituições federais de ensino superior vêem-se confrontadas por um processo de avaliação heterônimo, e como acreditamos, incoerente.

As comissões de avaliação coletam índices tão frios quanto metros quadrados de banheiros por aluno ou número de computadores por professor e compõem uma matriz sintática. A verificação é feita por comissões que atuam da maneira mais objetiva possível, reificando o processo, vendo, mecanicamente, nos índices obtidos, "verdades numérico-estatísticas", inquestionáveis, descritoras de uma realidade que não merece interpretação adicional. Dessa forma, ter, por exemplo, 85% de mestres e doutores no corpo docente do curso, lhe dá um conceito B; um doutor a menos que este "necessário", lhe rebaixa para C. Não importa o quanto os professores existentes imprimam qualidade ao seu trabalho. Outro exemplo: o quociente de professores titulados em relação ao número de disciplinas do curso determina inapelavelmente um conceito de qualificação docente. Ora, bastaria diminuir o número de disciplinas, e se passar para outra classe.

Verifica-se, além do mais e ainda mais grave, que o zelo ministerial quanto à questão da avaliação do ensino de graduação não encontra correspondência no provimento de infra-estrutura para o ensino, a pesquisa e a extensão, de docência qualificada, de assistência estudantil, de pessoal técnico de apoio, etc.

Pelo contrário: cada vez mais as instituições são pressionadas a aumentar a sua oferta de serviços, vagas e oportunidades, diminuir índices de evasão escolar, aumentar índices de sucesso na formação profissional (número de egressos), numa escalada estressante, tendendo à ruptura, devendo manter, não obstante, a todo custo, a qualidade. E, para um curso ser considerado de qualidade, progressivamente tornam-se mais exigentes os patamares a serem alcançados nas avaliações.

A realidade é que não há investimentos em infra-estrutura condizentes com os diagnósticos providos pelos processos de avaliação. Não há contratação de pessoal docente qualificado (a liberação recente de 2000 vagas para professores de nível superior pelo MEC e pelo MP (Portaria Interministerial ... de ... /07/2001), representa apenas cerca de 25% das necessidades atuais de preenchimento, contada apenas a reposição de professores aposentados, falecidos ou demitidos. Também aqui florescem novos atentados contra a Autonomia da Universidade Pública, na medida em que a Portaria exige a abertura de concursos de início somente para professor adjunto, para o que somente se qualificam os portadores do título de Doutor, o que, a princípio significa uma indução à qualidade do quadro; mas, o que é inaceitável é ficar o concurso para classe inferior condicionado à autorização prévia da SESu/MEC, emitida com base em pleito fundamentado (sic) da IFES interessada. E, para completar, segundo o § 3o desta Portaria, qualquer contratação no âmbito do RJU, fora destas vagas, está vedada.

Reduzem-se, por outro lado, as oportunidades de qualificação do corpo atual (veja-se, por exemplo, a recente extinção do PICDT – Programa Institucional de Capacitação de Docentes e Técnicos, que era a única via regular que as Universidades Públicas tinham de possibilitar o afastamento de professores e funcionários para cursos de pós-graduação). Não há contratação de técnicos, muito menos programas de qualificação para os mesmos. Não há incremento nos programas de apoio estudantil, e os poucos que existem têm sido paulatinamente minimizados, senão extintos.

Assim, as instituições correm o risco de cair, nas avaliações por que passam, em conceitos progressivamente piores. Num círculo vicioso, maus conceitos levam à redução de competitividade na obtenção de recursos, novos maus conceitos, e assim por diante, como que a cumprir-se o dito bíblico: "àquele que muito tem, tudo lhe será dado; àquele que pouco tem, mesmo este pouco lhe será tirado".

A avaliação, nesta conjuntura, deixa de ser um diagnóstico visando a tomada de decisões no sentido da melhoria, do crescimento responsável (não meramente quantitativo), para assumir um viés de rótulo da incompetência pura e simples.

Mesmo em face de tais dificuldades, as Universidades Públicas ainda têm procurado atender novas demandas sociais, com a criação de novos cursos em nível de graduação, pós-graduação. É neste contexto que o Conselho Pleno da Andifes, em 11 de julho de 2001, lançou Manifesto alertando autoridades e a sociedade sobre o não cumprimento de protocolo de intenções firmado entre ela e o MEC, no sentido de se empreender um esforço de crescimento de 10% nas vagas em nível de graduação e pós-graduação ao ano, tendo como contrapartida do Ministério a ampliação do orçamento de manutenção das IFES na mesma taxa, além de efetivar no quadro os 8.0000 docentes nas vagas então existentes, e recuperar o número fixo de técnicos-administrativos existentes em 1996.

Constata-se que as IFES cumpriram com folga as metas acordadas. O Governo Federal não atendeu o previsto, ao contrário, editando mais medidas restritivas à Autonomia.

Este quadro de absoluta insuficiência vivida pelas IFES, tem como pano de fundo os seguintes dados: 11% apenas da população economicamente ativa do Brasil com nível superior, sendo que são 22% no Chile, 21% na Bolívia, 26% na Venezuela, 37% nos Estados Unidos e 53% no Canadá; o Plano Nacional de Educação prevê que na faixa de 18 a 24 anos, 30% da população esteja matriculada em nível superior; os egressos do ensino médio crescem aceleradamente, tendo dobrado de 1991 a 1995, aumentando a demanda por ensino superior. Essa pressão se coloca sobre as Universidades, numa responsabilidade que não pode ser somente delas.

Não obstante as péssimas condições materiais, as instituições públicas, entre elas as federais, têm demonstrado desempenho didático-pedagógico adequado, conseguindo formar contingentes de profissionais relativamente bem colocados no mercado de trabalho ou de pesquisa, se se comparar com os resultados obtidos pelas instituições privadas em geral (90% da pesquisa realizada no País está nas Universidades Públicas), fato que costuma ser reconhecido tanto na mídia (a contragosto) como no meio acadêmico. A questão é: por quanto tempo?

 

O que fazem para que deixemos de fazer

 

A Universidade Pública é restringida quando não conta com mecanismos e procedimentos adequados para bem exercer suas atividades, com agilidade e propriedade, sendo, em vez disso, envolta em exigências burocráticas tipicamente associadas à falta de seriedade e à desconfiança reinantes em outros setores da sociedade, onde todos se supõem suspeitos até prova em contrário. É reconhecidamente ridículo o emaranhado burocrático que envolve a aquisição de um termômetro, sem falar num simples e essencial livro.

De modo concreto, as restrições se traduzem na repetida edição de inúmeros decretos, portarias, ofícios circulares, instruções normativas, notas técnicas e "comunicas" de diversos níveis ministeriais, que modificam ou impõem miríades de procedimentos administrativos, que nunca se consolidam, que impedem o bom funcionamento da Universidade, atentando contra a Autonomia Universitária, especificando itens cada vez mais comezinhos. Com freqüência, tais ordens e contra-ordens acabam recaindo em verdadeiras contradições, seja em relação a princípios maiores (leis e até a Constituição), seja em relação a elas mesmas (como exemplo recente, a supressão da contagem como tempo em dobro das licenças-prêmios não usufruídas até 1996 --- Instr. Normativa SEAP 05/99, Nota Técn. 07/2000/COGEN/SRH/MP --- restauradas posteriormente por se concluir que tal supressão violava o princípio do direito adquirido --- Of. Circular 09/SRH-MP --- acarretando indenizações aos servidores em questão de milhares de reais além de impedir a aposentadoria dos mesmos; como exemplo tristemente recorrente, as permissões e proibições de contratação de professores substitutos --- só para exemplificar rapidamente, Lei 8745/93, que regula o processo em geral, entre outras coisas limitando a contratação por, no máximo, dois anos; Portaria MEC/SESu 075/01, de 11/05/2001, que dispõe submeter ao Ministro da Educação cada solicitação, além de estabelecer prazos administrativamente irreais; Med. Provisória 2150-39, de 31/05/2001, que permite a possibilidade de estender o prazo de contratos em vigor; como exemplo adicional, as tentativas de desvincular os Colégios Técnicos, unidades tradicionalmente significativas na estrutura de muitas Universidades Públicas).

Em relação a itens salariais, a insegurança se dissemina. Em desrespeito à própria Constituição Federal, cfe. o Art. 37, X, Emenda Const. 19, de Junho de 1998, que assegura (com este termo) "revisão geral anual sempre na mesma data e sem distinção de índices" --- para a remuneração dos servidores públicos, enfatizada até mesmo pelo próprio Presidente do Supremo Tribunal Federal, não têm havido reajuste de salários nas Universidades Federais e em outras categorias de funcionários federais. Não havendo reajustes por mais de seis anos, procura-se ações paliativas de valor questionável. Criam-se gratificações que diferenciam as pessoas na própria faixa salarial de subsistência, subtraindo-lhes, no entanto, direitos relacionados a esta faixa, simplesmente excluindo das gratificações vantagens como salário para aposentadoria e outros benefícios. Na verdade tais outros benefícios também estão ameaçados: como exemplo, a GAE --- Gratificação por Atividade Executiva ---, que está suprimida do salário dos técnicos-administrativos, para ser substituída por outras parcelas, que estão sub judice, apesar de já aplicadas, prevendo-se daí novas ações e novos prejuízos a todos os envolvidos, o Tesouro inclusive (Med. Provisória 2159-39, extinção da GAE e implantação da GDAE, e outras alterações na carreira dos técnicos-administrativos, com vícios legais danosos ao salário dos técnicos; Med. Provisória 2159-40, que busca corrigir a anterior, mantendo no entanto alguns vícios). Neste particular, já se conta Moção dos Conselhos Universitários de mais de uma Universidade Pública, alegando principalmente a quebra da isonomia salarial, pela aplicação de mecanismos de avaliação indevidos e a exclusão de servidores aposentados do percebimento em questão, o que contraria o § 4o do Art. 40 da Constituição, que prescreve a extensão aos inativos de "quaisquer benefícios ou vantagens posteriormente concedidos aos servidores em atividade".

Há que observar que, apesar de não se incorporar ao salário, nem comporem o valor sobre o qual se calcula incentivos de tempo de serviço, é, mesmo assim, descontado imposto de renda e previdência sobre os benefícios citados acima. Além disso, as tabelas de dedução de imposto de renda, em valores absolutos, continuam as mesmas desde 1995, apesar da inflação, calculada pelo DIEESE, já ter alcançado 75,48% nesse período. Ou seja: a favor do funcionário, nada; a favor dos descontos, tudo, caracterizando-se um claro confisco salarial. Para registro: o salário básico da maioria das categorias do funcionalismo público é irrisório, comparado ao "mercado" de trabalho similar. Um professor doutor, em geral com sete anos de pós-graduação, ganha em torno de R$ 1.100,00. É sobre este salário que ele vai perceber sua aposentadoria.

E não é novidade para ninguém que repetidamente tem sido buscado pelo Governo o desconto previdenciário sobre proventos de inativos, os quais têm origem no desconto feito durante seus anos de atividade, configurando-se tal proposta um verdadeiro absurdo.

Nesse contexto, cremos que cabe à Universidade defender-se como instituição, devendo procurar manter até mesmo sua dignidade, utilizando-se de todos os instrumentos legais à disposição, não aceitando sumariamente qualquer ordem administrativa que lhe acarrete, ou a seus servidores e alunos, prejuízos irreparáveis ou de difícil reparação. No momento, por exemplo, a Portaria 17, de 06/02/2001 – que inviabilizaria o pagamento da extensão administrativa da URP, mesmo à rivelia da lei --- Lei 9784/99 ou Lei da Decadência --- por um mero detalhe do preenchimento de um novo formulário eletrônico - implantação do SICAJ- o que exigiu recurso judicial, no caso, das entidades representativas. Noutra dimensão, também os vários exemplos de "conceitos" desabonadores dados a cursos por comissões de avaliação, os quais, contestados e refeita a avaliação, foram revertidos, sem se poder, no entanto, retroagir quanto ao desgaste sofrido pela instituição e seus egressos, principalmente nos meios de comunicação (como exemplos recentes nossos conhecidos, o Curso de Engenharia Mecânica da FURG e o Curso de Direito da UFSM).

 

O que não se faz mais

 

A Universidade Pública é afrontada quando é menosprezado seu papel de vocação, que é o de vanguarda intelectual e cultural, negando-se-lhe, como já foi ressaltado, as condições para que o exerça, lançando-a na mesquinhez da rotina de mera sustentação de um trabalho sem glórias. Mesmo constituindo-se em ser vivo e racional, por estar absolutamente limitada à sobrevivência em termos materiais, não tem como se dedicar aos cuidados com o Espírito. Simplesmente não tem mais como ser pólo atrator de novas mentes brilhantes, daqueles que poderiam galvanizar o espaço acadêmico, não só pela dedicação ao ensino e à pesquisa, mas também à produção de bens culturais, de obras artísticas ou didáticas, técnicas ou tecnológicas, que contribuam para o registro e o enriquecimento da cultura humana e do bem estar de todos. Ao invés, o que se vê é a debandada de cérebros. E este é um processo entrópico de difícil reversão. O tempo é também o construtor da Cultura.

 

O que se quer fazer e não se consegue

 

A Universidade Pública é frustrada em seus projetos de crescimento em todas as dimensões: pedagógica, de investigação científica, de desenvolvimento cultural, de ação social. A inovação pedagógica, ou a evolução da atividade de educação, cada vez mais evidentemente salientada como necessidade crucial para uma correta inserção nos novos tempos históricos, econômicos e tecnológicos que se apresentam, é frustrada pela falta de professores, de espaços institucionais, de infra-estrutura, de tempo para a pesquisa e para o amadurecimento de idéias.

 

O que querem que façamos para fazer

 

Em resposta a tudo isso, as universidades são instadas à intempestiva mobilização para se credenciarem à competição, através de editais de oferta de verbas, por uma parcela que lhes pudesse aliviar sua situação de calamidade. Depois de, a duras penas, de renúncia (costumeira) à atividade acadêmica para, mais uma vez, dedicarem-se ao levantamento de necessidades, à composição de justificativas, orçamentos, enfim, "projetos", visando atender às prescrições dos editais, antes mesmo de esgotar o exíguo prazo (como também é costumeiro), ficam sabendo da reversão total da política orientadora. Como exemplo, o recente Edital MEC/SESu para Melhoria das Condições de Oferta dos Cursos de Graduação, que começou num patamar de expectativas, foi descontinuado e em seguida "ressuscitado" por cerca de um terço do valor inicial. Há que se observar que é digna de elogios tal edital. Significa que o Ministério reconhece que as instituições passam por uma situação crítica, a exigir atenção especial. Apenas exemplificamos mais uma situação de insegurança nos procedimentos e na gestão da Universidade.

Tal episódio relembra outro, ocorrido algum tempo atrás, em que o Governo Federal acenou às Universidades brasileiras como um todo, com um projeto de atendimento de necessidades de infra-estrutura na ordem de 500 milhões de reais, através de um fundo gerido pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, com juros irrisórios. Metade dele se destinaria às Universidades Públicas. O irônico não demorou a se revelar: para participar, a instituição deveria, como para qualquer outro contrato com o BNDES, dar em garantia patrimônio próprio. Ora, isto lhe é vedado por lei. Inviabilizou-se a participação das Universidades Públicas. Os 250 milhões foram, então, simplesmente, absorvidos pelas instituições privadas. Muitas obras, derivadas deste programa, hoje podem ser apreciadas nos campi de universidades privadas, junto às plaquetas do BNDES e da SESu/MEC.

A tendência, no entanto, é esta. A Universidade Pública, para continuar a funcionar, é encaminhada, implicitamente mas sem sutilezas, a não contar mais com recursos públicos do Tesouro, dentro da verba de financiamento da Educação Nacional, como se dela não fizera parte. Suas atividades ficam progressivamente ligadas a "projetos" concebidos, agora, não só para seu crescimento e diversificação, mas também para garantir minimamente a manutenção dos serviços. Exemplos entre nós: instalação e gerenciamento de redes de informação.

Acreditamos que os projetos são parte inerente à atividade da Universidade, mas como incremento da qualidade do serviço prestado. Sua definição deve se alicerçar antes de tudo na base principial da Universidade como instituição: pluralismo, universalismo, solidariedade, ética e excelência. Os projetos vulgarizados em seus objetivos de mera sustentação de infra-estrutura terão dificuldades em atender tais princípios, particularmente ao universalismo e, se não houver vigilância estrita, à ética. Temos, por isso, que manter um saudável distanciamento da natureza essencial dos projetos, de modo a podermos analisá-los e decidir sobre sua pertinência.

A progressiva diminuição do orçamento das Universidades Públicas, gerando todas as dificuldades arroladas, aponta para uma privatização da Universidade Pública de fato, se não de direito.

No caso específico da FURG, verifica-se uma redução orçamentária nos recursos do Tesouro alocados em OCC (Outros Custeios e Capital - despesas gerais de operacionalização do serviço) da ordem de 24,49% somente de 2000 para 2001, levando a Universidade perigosamente a uma situação de inadimplência generalizada, podendo haver um déficit da ordem de R$ 2.000.000,00 até o final deste ano, segundo relatórios da Pró-Reitoria de Planejamento e Desenvolvimento. Somam-se a isto as dívidas pré-existentes.

Às nossas reclamações contra os óbices colocados em regra para a contratação de pessoal, mesmo para a substituição pura e simples de um funcionário aposentado, têm-se respostas como o novo regime de trabalho que se convencionou denominar "emprego público", como se os funcionários públicos hoje não ocupassem vagas de emprego público. O "emprego público" coloca-se como peça de negociação para se obter reajuste salariais que só viriam uma vez implantado o novo regime. Mas o jogo de termos esconde procedimentos para quebra da isonomia salarial, pela atribuição de adendos salariais diferenciados, que se tornam reajustes apenas aparentes, uma vez que não se incorporam ao vencimento básico. Mais grave, o "emprego público" reger-se-ia pela legislação que regula relações de trabalho entre pessoas físicas ou jurídicas através de contratos, em que a consciência do trabalhador não vai além da consciência da obediência ao patrão. Mas, a relação de trabalho do funcionário público se regula por uma lei, criando-se uma relação entre ele e uma organização e os valores por ela encarnados, de modo que o seu chefe está, como ele, a serviço do público, pelo que os valores comuns a ambos transcendem a relação de poder entre eles (conforme Alan Supiot, apud Assessoria Jurídica - AProFURG, in Pó de Giz, 18 (99)). Na medida em que o Estado se torna patrão, como no setor privado, o trabalhador da esfera pública perde sua independência das forças políticas em ação e sujeito a elas, como conseqüência imediata, perde sua estabilidade. E junto com elas, vai mais uma (última?) parcela da Autonomia Universitária da Universidade Pública, que se funda nessas garantias às pessoas, professores e funcionários, muito mais do que no arbítrio de dirigentes.

 

Em resumo, é isto.

 

 

Cons. Ernesto Luiz Casares Pinto

(a via original encontra-se assinada)

 

 

Cons. Celso Luís Lopes Rodrigues

(a via original encontra-se assinada)

 

 

MOÇÃO

DO

CONSELHO UNIVERSITÁRIO

DA

FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE

 

O Conselho Universitário da Fundação Universidade Federal do Rio Grande - FURG, reunido em 13/08/2001, analisando a conjuntura e o momento por que passam as Universidades Públicas Federais, e em atenção a solicitação dos segmentos docente e técnico-administrativo e marítimo da Comunidade Universitária para que se manifeste sobre questões de extrema relevância, quais sejam: a possível instituição de um novo regime de trabalho para o funcionalismo federal, cognominado "emprego público"; Medida Provisória 2150-39, que institui a GDAE e extingue a GAE para os técnicos; tentativa de supressão da URP - implantação do SICAJ, Portaria 17, vem tornar público à Comunidade Universitária e à sociedade como um todo o seu posicionamento:

 

  • declarar-se, mais uma vez, em atitude irrestrita e intransigente de defesa da Universidade Pública, Gratuita e de Qualidade;

 

    • declarar-se contra o corte de qualquer vantagem ou benefício protegidos por lei;

 

  • exigir a manutenção do Regime Jurídico Único, com repúdio a qualquer forma de precarização das relações de trabalho na esfera pública, tais como as propostas hoje ventiladas em direção ao estabelecimento da figura do "emprego público";

 

    • manifestar apoio ao movimento grevista dos técnicos-administrativos e marítimos, em justa mobilização, instando o Governo Federal ao atendimento das reivindicações apresentadas;

 

  • rejeitar os termos da Medida Provisória nº 2150-39/40/2001, com reversão das conseqüências advindas de sua aplicação;

 

 

  • exigir a abertura de vagas de docentes e técnicos-administrativos e marítimos em número suficiente para sanar as necessidades das IFES, repondo, no mínimo, os quantitativos de cargos vagos reconhecidos pelo Ministério da Educação;

 

 

  • exigir o fim do império da tecnocracia instalada no Governo Federal, que afronta sistemática a Autonomia das Universidades Públicas, inviabilizando seu funcionamento (art. 207 da Constituição que diz em seu caput: "As Universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão)";

 

 

  • manifestar-se a favor das avaliações interna e externa das IFES, desde que conduzida a partir de uma proposta emanada da própria comunidade universitária brasileira, exigindo do Governo Federal os recursos financeiros e de pessoal necessários à resolução das deficiências diagnosticadas.

 

Esta Moção se imbui do espírito do MANIFESTO NO ENSEJO DE UMA GRAVE CRISE, também emitido por este Conselho, onde se analisa em maior profundidade não só os elementos pontuais aqui assinalados, mas toda uma conjuntura. Este Conselho quer, também, salientar, como já o fizeram outras instituições públicas de mesmo nível, que todo o esforço realizado pelos brasileiros que construíram a Universidade Pública ao longo do último século pode ser desperdiçado, caso não haja sensibilidade do Governo Federal para os problemas assinalados, os quais configuram a iminência de uma grave crise na Universidade Pública Brasileira, podendo-se vir a inferir mesmo uma intencionalidade na sua precipitação.

O Conselho Universitário da Fundação Universidade Federal do Rio Grande desenvolverá esforços para que todas as entidades nacionais vinculadas à Educação Superior e à produção do conhecimento atuem junto às diversas instâncias de poder nacional, Executivo, Legislativo e Judiciário, para que cessem as pressões sobre a Universidade Pública visando descaracterizá-la, e, ao invés, sejam envidados esforços para que ela continue cumprindo seu grande papel na construção deste País.

 

 

Rio Grande, 13 de Agosto de 2001.

 

 

CARLOS RODOLFO BRANDÃO HARTMANN

PRESIDENTE DO CONSUN

(a via original encontra-se assinada)